sábado, janeiro 16, 2010

Hoje, quase amanhã.

A mãe lia as notícias em voz alta enquanto eu intercalava umas atenções confusas e vagas entre o computador e a leitura: "plano de direitos humanos; te amo... ; Lula vai ter que desfazer contrato com França, é patético, mas eu te amo, muito; e a política externa e verba para Haiti; enquanto o Brasil aqui dentro, agora? e o bolo de carne? temperas muito bem, vai ficar ótimo o bolo de carne, o Brasil que se exploda! E as pessoas dentro dele consumidas pela perfída política de interesses - infelizes. Um brinde as nossas vidas de romance duvidoso - visceral e fibrosa vida, sem política e BBB. Vida pulsante... agora a uns dois mil km de distância, batendo teclas copiosamente, conformadas batidas de tecla.
Tão longe agora.
. . .
A camada espessas de stratus e cumulus escondia um nível de santuário, separado da terra, omitia o relevo, as cicatrizes das interferências antropicas. Àquela distância, tudo reverberava. Nada naquela altura superaria a vertigem. Nada chegaria inteiro ao chão. E eu estava salva do mundo e tão vulnerável aos monstros da consciência. Presa na imensidão fria, inalcansável, fora da janela. Lá de cima eu senti a paz contemplativa ser rasgada por introspecção violenta que martelou minhas têmporas até o último minuto. Perdi-me dentro de tudo que vivi, acima dos nimbus, em meio os contos do Caio, lavada em lágrimas involuntárias, dissimuladas, liquidas enraizando as páginas do livro. Vi minhas atitudes como rascunhos odiosos, minha vida como um ensaio para sonhos extravagantes que eu não perseguia. A hipocrisia que saia da boca para apaziguar os medos. Chorei de saudades dele, pelo desdém de meus amores platônicos, pela incerteza que me assolava sem convite, sem dó nenhum. Chorei de desespero. Senti a impotência da distância. Mais uma vez: tão longe, tão longe.
Voltar pra casa tornou-se uma experiência ambígua e quase inconveniente. Agora que eu recebi meu primeiro dinheiro... agora que estou casada com o gênio dele, a vida em casa ficou passageira... as violetas singelas sobre a mesa floreiam em outra estação, a gaveta dos talheres foi trocada de lugar e as roupas novas, os pasmos e rotinas me são secundários... um perfume novo que eu não conheço. Meu irmão em plena puberdade e os cães mansos, cães novos, agora só comem ração e a gata é de escorpião - quem diria. A velha cadeira reformada... a casa pintada de azul... azul clínico, asséptico. Tudo requer um momento de assimilação, de reconhecimento e atenção. Toda a saudade deve ser engolida e disfarçada. Agora são duas vidas que se separam e se reencontram, intercaladamente, divididas pelo percurso na imensidão dos nimbus, do santuário. Entre livros e revistas cientificas; rotina familiar; a polidez do vocabulário e as bebedeiras, o sexo, o amor intenso... as saudades hora de um, hora de outro. Agora tudo martela de uma só vez... aqui e ali, aqui e ali.
Dois momentos. E estou aqui, ouvindo sobre política, lendo sobre amor - virei ave migratória.

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