quarta-feira, novembro 05, 2008

Between pills and extinguished cigaretts (parte 1)

Despedi-me da época de colegial com um pontapé em sua onorável bunda e uma garrafa de molotov imaginária na frente da instituição responsável pelos seus dois últimos anos. Estava livre! - pensava a tonta em uma festa de final de ano... O diabo a quatro! Ensino médio é apenas uma transição da fase complicada da vida para a fase mortal combat, mas nada impedia de me sentir feliz ao olhar, com um ar estúpido de superioridade, os colegiaizinhos, com as mesmas mochilinhas e uniformezinhos ridíoculos que eu usava a duas semanas atrás, andando na rua.
Bom, depois de um tempo a euforia de gente grande passou e acabei caindo na real quando me deparei com o primeiro vestibular afu! Meu sangue tremia e minhas pernas ferviam. Não parecia ser algo tão difícil até eu experimentar. Fui na mãnha, torrei meu cérebro tentando conceber informações que simplesmente não existiam no meu banco de dados mental e me fodi igual.
A família lamentou, não é na primeira que se passa pra medicina. A solução era apelar pro cursinho. Nessa época você não sabe ao certo como se definir, porque tecnicamente não estás mais estudando, nem cursando nada, você só está pagando pra aprender aquilo que não aprendeu direito antes.
De qualquer forma, mudei-me efetivamente para a casa de meus avós e mandei ver. Adaptei o escritório da casa em um quarto de menina moça estudiosa, cheio de anotações e resumos grudados nas paredes, e sempre com pilhas e pilhas de livros abertos e sobrepostos aqui e ali.
Não tinha vida social. Naquela época era eu e meu celular, alguns encontros casuais e uma carência de afeto incrível. O despertador, as viagens de trem e as músicas que repetiam de meia em meia hora, minhas manhãs de cursinho e as longas divagações solitárias naquele pátio gelado cheio de granfinos da zona norte... nada disso chegou a me trazer lembranças significativas. O que me encomodava mesmo era a falta de gente. Minha família tava sempre do lado, mas qualquer um sabe bem de que tipo de gente se precisa pra suprir o vazio dentro de si... e eu passei um bom tempo tentando contornar isso, enquanto todo mundo ao meu redor morria de amores por alguém ou tinha sempre uma festa pra ir ou uns tragos pra tomar com aquele amigo que eu não conhecia.
Porra de vida. E eu queria ser médica, e eu tinha que passar no vestibular, e eu tinha que ser fria com os meus sentimentos pois nada relacionado a eles era tão digno de atenção, afinal, coração só servia pra bombear sangue, coisa idiota remeter sempre os sentimentos a ele. E assim foi. Me machuquei horrores, cai tombos de escadarias monumentais, por assim dizer, expectativas não atendidas, nunca eram atendidas, e isso só acabou efetivando o trabalho de fossilizar totalmente aquele pedaço de músculo dentro de mim.
Paciência. O negócio era sair, sair de toda aquela atuação e ostentação de querer ser o que eu não tinha nascido pra ser. Larguei cursinho, larguei celular, larguei amizades de efeito pílula e até o meu velho aparelho de tocar as mesmas músicas de meia em meia hora, comprei um novo, claro.
Decidi ir para a faculadade mais trés chic de design de Porto Alegre, de acordo com o caminho dos tijolos dourados, mas talvez não de acordo com meu orgão fossilizado, que apesar dos pesares ainda tinha uma certa consciência de si, e que acabava me sendo um tanto inconveniente na hora de tomar decisões.
Não menos ostensiva que a faculdade de medicina, a diferença estava nos princípios. Conhecimento naquele lugar nem sempre era tão significante se você tivesse um par de camisetas retro no armário e soubesse combinar bem suas botas com o seu keffieh. Isso com certeza te traria mais possibilidades de crescer lá dentro, ainda mais se fosse bom em desenhar bichinhos bizarros dentro de algum conceito aleatório. Infelizmente eu não era uma dessas pessoas, e pra deixar minha situação menos favorável, eu era insegura e infeliz de mais para tentar arriscar minhas investidas com aquelas pessoas, e preferi deixar as coisas virem naturalmente, enquanto passava os intervalos inteiros sozinha, lendo meus livros de ficção cientifica e rabiscando no meu moleskine genérico.
E assim passei um semestre inteiro. Lembro que algumas pessoas arriscavam vir conversar comigo, sempre com aquele ar apreensivo de quem espera uma mordida no antebraço ou palavras de antipatia destilada. É, era eu a maioria das vezes, mas em contrapartida, por um motivo que nem eu sei explicar direito, tinham vezes em que eu simplesmente me derretia com o "oi" de certas pessoas, e eram exatamente essas que acabavam me trazendo mais sofrimento. Parece que até certo ponto na minha vida eu escolhia as pessoas a dedo pra me machucarem da melhor forma possível (ai, chora baby), e não me refiro de amores, apenas pessoas, de quem eu esperei um convite no fim de semana ou um oi quando eu chegava a forçar a cara de pobre coitada de tanto aperto que a carência me causava.
(...)

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