segunda-feira, abril 02, 2012

Nothing never spoils my joy of loving you

(Quando sobra nervo pra pouca vida, resta dançar)
Foi uma última cerveja antes de morrer, resgatando na ponta dos dedos esticados em direção ao teto, uma sobra de paz que os afrescos inspiravam, iluminados de longe pelas velas da capela (c a p e l a, ha) e uma luz artificial. Tão distantes e cheios de uma glória inventada que acolhia a inquietude sobre o único banco ocupado. Uma sensação parecida com a que tinha nos corredores escuros de hospital na sua infância. Pareceu-lhe conveniente a ideia de existirem igrejas que não fechavam a noite, pois nunca entrará em uma depois dos itinerários de casamento. Não que fosse religiosa, mas sentia que se pudesse fugir do mundo, ela correria pra lá. Talvez rezaria - não para os santos que estampavam as paredes entre os pilares laterais, nem para as mães de Deus, mas para si, para o pedaço intangível de universo destituído de formas ou qualquer coisa que se aproximasse das cusparadas abjectas e joelhos roxos em banheiros desconhecidos, das mentiras, de qualquer ato humano. Seu próprio deus despido de promessas, preenchendo as abóbodas pintadas com ovelhas e Jesus crucificado que decoravam a gravidade tétrica do luxo talhado em madeiras nobres e mármore. Este seria o seu refugio - longe de onde eles dançavam, das tequilas e dedos compridos pressionados contra seu pescoço enquanto vozes úmidas iniciavam crimes.
Largou a carcaça da última cerveja no chão, assumindo em silêncio a sua hipocrisia, e encolheu a mão estendida, deixando-se consumir pela impotência que os anos lhe revelaram, ali mesmo, remoendo a consciência de seu sofrimento, imersa na abstração das boas lembranças, por não ter mais a quem recorrer. Tudo nela parecia sobrar, sem ter a quem destinar seus excessos. O vazio. Pra isso existia o álcool, para ela e todos aqueles que lá longe sonhavam o sonho escondido de destino ao que lhes preenchia.
Decidiu morrer de desgosto por ser incapaz de morrer de amor.

Um comentário:

Bruna disse...

é a primeira vez que eu me identifico quase que inteiramente com um post daqui, não ter par quem dedicar os excessos é a pior sensação de um fim de noite e destrói a alma.