sexta-feira, agosto 17, 2012

Eles segundo eu


Descobri que meu costumeiro “então” nada mais é que uma ferramenta de apoio para atores inexperientes (evitando a utilização de mantras entre uma palavra e outra) e uma maneira previsível de anteceder o impacto de uma novidade, prendendo-me assim à limitação dos próprios vícios de linguagem, levando-me a insatisfatória resignação do ato de ceder. “Mais ou menos como ela levava a vida – arrisco - mais ou menos como ela sentava e inventava beleza onde nem ela via, quando sabia que a ideia de solidão era mais dolorida que a resignação, que a segura e sustentável rotina.” Fora isso, existem milhares de outras pedras e devaneios inconvenientes que durante tanto tempo me frearam no menor dos impulsos para voltar a escrever. Mas arrependimentos são hipócritas em minha situação de ser racional, e hoje me pareceu um bom dia para reassumir a ansiedade cancerígena que sentencia à ostentação de minhas experiências. Afinal, estou de volta a Porto Alegre.
Então...

1.0. A cidade que plana sem sair do lugar

Meus pais não me entendem completamente, mas eu jamais os culparia. Sou fraca e choro ao invés de me impor. Argumento ao invés de trabalhar. Fujo ao invés de compartilhar. Sou toda culpa e ao mesmo tempo incapacidade de o ser diferente. Ainda assim eu voltei e descobri não saber de nada. De boa. De nada mesmo. Propus-me o desafio de me redefinir e aprender a gostar da cidade, por amor aos pais e pela própria sanidade mental. Do zero ao cem, não levou tanto tempo. De playboys sertanejos e mães divorciadas com pensões milionárias, a festas clandestinas e artistas marginais. Depois de tragos, promessas soltas, casos e descasos, descobri que até mesmo a possibilidade de viver em um lugar que converge todo seu meio cultural em um só nicho, não é lá grande coisa. Ainda houve solidão e incompatibilidade. O provincianismo imperava. E assim nasceu a ilusão traiçoeira da saudade, e da necessidade de resgatar sentimentos. Caçar uma nova obsessão, experimentar um amor improvável, contagiar alguém com minha própria doença. Quanta ironia. Justo Paris - que eu nunca gostei tanto, mas que soa chique mesmo assim. Um ônibus para São Paulo, um avião para Porto Alegre.
Espere para ouvir o sotaque! “Fííl de pút!” (não filé de pute).

1.1. Intimidade e um belo par de chifres de bronze ao lado da cama

Ele tinha traços rústicos e o físico enxuto que meu subconsciente lhe atribuirá durante nossas conversas nervosas. Um cabelo ralo e macio contrastando aquela barba de árabe ou judeu, que impunha respeito por cima do queixo fino e que eu sempre tratei como algo indigesto até perceber o potencial provocante que um passar de mãos sobre ela, enquanto encarava o teto, lhe conferia. Foi o carinho espontâneo e a química fluida que proporcionaram um mútuo convite à cumplicidade, onde ira e contraditórios sentimentos de proteção e desejos incestuosos se complementavam. Juntos, idealizamos um novo protocolo para os ilusórios relacionamentos monogâmicos, para a família e para a vida, bem longe dos ciúmes e do confinamento de espaço e horário. À água na garrafa de uísque, às musas de nanquim sobre a parede, cascos de Heineken e à fumaça gostosa das cigarrilhas, eu me despedi, dentro do mesmo abraço e de todas as lembranças que eu guardei nesse mundo – logo ali, umas duas quadras da Augusta.


1.2. Pele, desprendimento, amizade

Por algum motivo eu me tornei dependente da sua companhia e de seu entusiasmo por assuntos conspiratórios e insólitos. Saber que eu poderia contar com ele me tranquilizava, mais do que qualquer outra pessoa poderia. E os anos confirmavam nossos reencontros, em meio tempestades e desentendimentos. Nunca chegamos a consumar o inevitável. Mas talvez a tensão e o álcool tenham prevalecido sobre o juízo dessa vez. Culpei a situação, mais do que a outra coisa, e vi ali uma possibilidade de elevar nossa relação. Pele é pele, sobre os braços, pescoço, seios, bunda. Pele é toda a mesma intimidade e o mesmo significado. E eu não tenho tabus quanto ao toque, desde que haja consentimento na intenção. Poucas pessoas me inspiraram essa liberdade. Ironicamente, ele foi uma delas.
Estou aqui.


1.3. Beleza extrema e simplicidade

(em construção)


1.4. Verdades adiadas, sofrimento desnecessário, “por causa quês”

Combinei um chopp com os olhos azuis mais lindos do mundo e saí antes dele confirmar o local, mesmo sem uma porra de celular ou um pingo de juízo. Saí de encontro à meia hora de posição semi-fetal ao lado do Dirty sob olhares cheios de compaixão. Cigarros e uma volta a pé foram o suficiente para me esquecer de procura-lo e voltar à promessa de um pitty drink, no velho sujo. Enquanto pratico minha sedução com a bartender, o cara do banco ao lado pergunta:
_ Tu por acaso (ou não acaso) é a Martini?
_ Mas certo que sim tchê – respondo com toda minha indiferença sedutora esperando olhares receptivos da bartender.
Ok... Goles.
_ E quem é tu bagual?
Resolvo virar a cara:
_ Eu sei quem tu é! *dramatix chipmunk face*
Agora porque meu sangue não ferveu e meu coração não explodiu na cara dele, eu não sei. Talvez por estar mais bochechudinho (ele vai amar isso) ou o passado ser passado de mais a essa altura. Sei que nos tornamos confidentes e amigos de anos, em questão de uns 20, 25 minutos. E entre chopps, drinks, quatro realocações estratégicas, um guardanapo com letras borradas de batom e uma vontade louca de subir nos ombros dele, fui entendendo como a repressão de sentimentos simples, devido relacionamentos tão sinceros quanto neuróticos, levaram-nos à reciproca projeção de uma realidade paralela e um passado mais pleno e menos tortuoso. A busca por maturidade longe de mentes estacionárias e iludidas foi enfim mais tranquila e comedida com nossas cicatrizes.
Nas marcas em minhas costas fica a promessa de um reencontro próximo, e um daqueles drinks do Dirty, e chocolates na cama - óbvio.


1.5. Espartana e católica

Cinco filhos homens, mãos firmes e vocação para enfermeira. Ela me inspira uma paz que nem as estrelas inspiram e jamais reclama da vida difícil que levou desde mais jovem, ou das rugas precoces que comprometeram uma beleza ímpar e egoísta, que não foi capaz de favorecer nenhum neto à altura. Deve tudo ao divino, ao filho, ao pai, ao santo, e a força de pensamento. Não que subestime a capacidade dos médicos e profissionais, mas ela me ensinou que o amor pela vida jamais poderá ser atribuído à sorte ou às ciências exatas. Deus é nossa própria vontade de prosperar, projetada em um ser maior comum, e se essa ideia a conforta tanto quanto a ideia de que somos feitos por padrões vibratórios capazes de conceber matéria me conforta, buenas... eu digo que a única verdade é aquela que nos leva para onde queremos. Sem perder a perspicácia feminina que desarma até mesmo eu, minha avó é uma guerreira anônima, mais valente e milagreira que muito santo exposto em altares sujos de cera e pó.


1.6. Compensação e expectativa

(em construção)


1.7. O passado exorcizado

Quis lhe dar um abraço com muita pele e um beijo, resgatar lembranças que me comovessem e perguntar como ia a vida e a cabecinha de porongo. Mas aconteceu que o velho costume manteve-se intacto: eu já sabia da vida dele pelos outros; sabia que segundo suas fofocas pedantes eu tenho gozado de uma lucidez maravilhosa, experienciado coisas improváveis e conhecido pessoas incríveis com o único objetivo de lhe provocar a tristeza, impedindo assim que ele continue a comer sua cota semanal de groupies – sounds legit! Então resolvi que eu não quero abraço nem beijo do tiquinho de ouro de porto alegre, nem 1200 espectadores ativos entre eu e uma pessoa que amo. Quero a paz que descobri inspirar ao mundo se eu puder dar a ele dois minutos do meu tempo. Continue no passado, enquanto vocalizo desejos prósperos de consciência e plenitude.
We’ll meet next life, when we’re both cats. Amém.

Um comentário:

Anônimo disse...

Seu vento provavelmente é o do norte. A força.
Como assim? Se algum dia quiser comprovar, um dos quatro ventos -pontos cardeais- vai te dar poder.
Descubra você mesma qual deles é seu vento, mas provavelmente é o norte.