sábado, abril 16, 2011

O passado é casto

Acordei jogada metade-na-cama-metade-no-chão. Os olhos inchados e a ressaca batendo com um delay de pelo menos 5 horas. Aparentemente prometer coisas à mim mesma é o mesmo que porra nenhuma. Até resolvi tirar o pó do chão, recolher as latas, o lixo, passar roupa, lavar a louça, acocar no box e esfregar milhares de calcinhas (coisa que odeio) e meias encardidas com toda a fúria que minha pele e ossos possibilitavam, escrever talvez. Mas foi o mesmo que tentar organizar o caos e a areia do Saara a vassoura e pá.
Tirei o casaco e abri o ziper da calça pra soltar a barriga, já vque meu narciso foi jogar pocker e levar o poodle pra passear. Quatro aspirinas no armarinho, água no gargalo até sentir o estômago gelar.
Respirei...
Abri a geladeira vazia. Abri o freezer e as estantes vazios. O bolo dentro da bandeja estava mofado. Nenhuma luz ligada. Peguei o último pãozinho com uma mão e cortei-o com certa raiva, com dedo unha e osso: MERDA! Corte filho da puta, fino e fundo, daqueles que mais doem. Chupei o sangue. Que raiva. Que merda! Economiza em bandaid mas gasta cinco pila numa ceva ruim com toda questão do mundo. Encontrei por sorte, um esquecido em meio os esmaltes e desculpei a cerveja pelo ataque.
Finalmente voltei para a cama. Lá fora escurecia cada vez mais rápido. Desejei uma taça de Casillero pra tornar meu vício estúpido em algo agradável. Abri abas atrás de abas, digitando avidamente os mesmos endereços de sempre. Ela sempre. Vi postada aquela música saudosa e apertei o play. Comecei a dançar, a sentir a estrobo direto nos olhos, o chão encharcado, as pessoas suadas, pulando em câmera lenta, até ser tragada pela lembrança recente daquela porra de festa, quando alguém tocou Born Slippy no Beco em meio Lady Gagas e Keshas e aquele bando de eletrorock descartável feito copo plástico. Era pra eu ter ficado feliz, pra ter me jogado na pista feito um party monster, mas algumas músicas são castas, sagradas e imiscíveis. Não se toca Underworld em festa pop do mesmo jeito que você não guarda seu Dostoyevsky ou Dante em meio os Crepúsculos da sua irmã. Fiquei com raiva, chorei de raiva e quis ceifar todos aqueles filhinhos de papais estudantes de direito e adm pelos tornozelos. Desejei com todo o coração que os velhos tempos voltassem, que os maconheiros proletários do bonfa retomassem os bares dos hypes britânicos cheiradores, que algum milagre acontecesse e aquele porão da Plínio abrisse de novo, fedendo a cinzeiro perdido atrás da estante.

Mas de nada adianta. Entre todas aquelas pessoas, "nós" eramos o Underworld, o Dostoyevsky, a contra-cultura, o cinzeiro velho, esperando para sermos resgatados por algum flashback irresistível na mente de quem um dia soube o que é contar o dinheiro do próprio bolso e se divertir de verdade, pra si, não pra foto, face ou pro cara de polo flertando ridiculamente naquele canto.

Um brinde.

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