sexta-feira, junho 17, 2011

If only we were nothing at all

Peguei do bolso um maço de notas pequenas pra pagar o ônibus, quando encontrei uma toda rabiscada de caneta e a coloquei prontamente de volta de onde a tirei, antes de passar pela roleta. Tinha recém voltado de São Paulo e me encontrará com ele por acaso, no mesmo bar de sempre, ao tempo em que minha postura impecável cedeu sem que eu soubesse como reagir.

“Minha espontaneidade reside na conveniência do acaso.” Escrito sobre o dorso de uma tartaruga azul.

Não era fácil estar na minha pele no momento anterior ao ônibus. Senti que poderia ter feito uma chacina – já podia imaginar aquele bando de gente disposta aleatoriamente sobre o chão manchado de sangue, misturado com vinho e cerveja - ou simplesmente pulado sobre a garganta dele e arrancado um pedaço da traqueia com os dentes afiados da boa genética, jurando que era amor. Mas pensei na ‘falta de respeito’, na ‘consideração’ e em todas aquelas imersões éticas que a consciência me possibilitava. Educação não é necessariamente uma condição natural do ser humano... nem de nada - pensei, só mantém a gente mais longe do instinto e é a ela que eu agradeço os meus 23 anos de vida longe do cárcere. Poucas coisas na verdade me fazem querer extrapolar a razão, e ele foi a última delas, depois dela.

“Minha natureza está soterrada sob um mar de prioridades.” Eu teria escrito em uma segunda nota de dois reais.

Fui obrigada a ir embora e abstrair a libido, a raiva e toda aquela necessidade descartável que a química cerebral gosta de usar pra confundir o chacra cardíaco. Finalmente peguei o ônibus, decidida a largar de mão o que mais me influenciava na vida. De uma vez, pra ter a liberdade de descobrir onde o senhor instinto me levaria – ou talvez apenas pelo sexo.

“Sou uma farsa, mas uma farsa eloquente, e isso faz toda a diferença na hora de me safar da responsabilidade.” Seria a terceira nota rabiscada em letras tortas acompanhando o balanço frenético do ônibus, por falta de suporte melhor.

A verdade é que eu estava farta das justificativas, de ser só a parte conveniente da Pâmela pra agradar os ideais alheios. Do amor rew+play, revivendo o passado dia após dia pra sentir que ainda valeria a pena, pra pensar que o sentimento ainda resistia intacto, provar que fazia jus à superação dele. Tinha cansado de tentar descobrir da onde vinha minha insatisfação, minha ansiedade, de resolver meus problemas de fora pra dentro. Eu precisava reaver a intensidade que era querer muito alguma coisa. Foi a deixa para que eu me permitisse desejar outra pessoa que não ele. Mas qual foi a surpresa ao me ver sozinha e desesperada tentando resgatar o que sentia a uns poucos dias atrás. De repente o sentimento não foi além da minha necessidade por intensidade física, e nem mesmo um braço quebrado e marcas de amor indeléveis sobre a minha pele compensariam minha carência a longo prazo.

“Não confunda vontade de comer com vontade de engordar, ou de fugir com a de se perder, coisas do gênero.” Seria minha última nota, colada na parede ao lado da cama, pra nunca mais esquecer que a porra da minha instabilidade nada mais é que o fruto do meu pavor à vida adulta, à rotina, à comodidade, à falta de novidade entre quem se ama.

Foi uma puta volta pra casa, e no final preferi não insistir mais, mesmo tendo a casa livre e toda a liberdade para gritar e gemer e bater contra a parede, quantas vezes meu corpo aguentasse. Rasguei o dorso da tartaruga não lamentando mais a privação das minhas escolhas sensatas.
Não houve um fim digno de Pâmela, mas talvez eu tenha recuperado uma parte de mim que já estava jogada pelos cantos há muito tempo. Só não poderei negar que eu senti e lamento não querer mais também.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parando de fugir e querendo conversar?
Já ouvi algo bem próximo de ti, alguns meses atrás. A demora pra que algumas idéias entrem na nossa cabeça muitas vezes é a espera por fatos tangíveis.
Tu tem bem mais o que se apixonar dentro de tí do que buscar fragmentos em outras pessoas. Já te mostrei isso um dia, mas nem se o quanto tu te lembra.
Se quiser, tento te mostrar de novo.

Não preciso assinar,
Acho que tu pode contar em poucos dedos quem são as pessoas que não precisam falar contigo pra que tu saiba que se importam.